terça-feira, novembro 09, 2004

PRISÃO

É egoísta a prisão solitária do amor
Na medida de sua ignorância
Na proporção de suas posses
Com a anuência de sua ambição

É cruel a prisão solitária do amor
Que impede o choro de outra paixão
Amorna o coração, ofusca o novo
Acomoda o peito e repete o lindo

É triste a prisão solitária do amor
Enquanto poda o próximo do próximo
Intercede quando beija a maçã pedinte
Desvia o ingênuo e evita o olhar fresco

É ingrata a prisão solitária do amor
Por não retribuir o sofrimento
Compensar o sacrifício com dor
E premiar seus próprios louros

É natural a prisão solitária do amor
Diminui os braços e abraços do mundo
Devasta qualquer sussurro na paisagem
Seca os lábios da maré e esmaga o dedo de Deus

É inevitável a prisão solitária do amor
Pois age sobre indefesos humanos tolos
Por ter seu início em uma paixão
E por ter seu fim encarcerada em si


Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Outubro de 2004

ENCONTRO

Linda e reluzente, você estava lá

Então percorri longos caminhos a encontrar-te
Na estrada tortuosa, você estava lá

Encontrei-te e fui de encontro ao teu abraço
No peito pulsante, você não estava lá

Toquei em suas mãos, delicadas e frias
Na troca de calor, você não estava lá

Mirei em seus olhos, profundamente rasos
Na firmeza do olhar, você não estava lá

Beijei seus lábios macios em despedida
Na lascívia vontade, você não estava lá

Então percorri caminhos ainda mais longos a separar-me de ti
Logo na despedida esquina, você estava lá

E eu também; mas deveria estar aqui.

Luiz Eduardo Bimbatti
Pouso Alegre/MG - Brasil
Dezembro 2001

DAR

Posso dar meu beijo
Com o frescor de todas as gotas do mar
Posso dar meu abraço
Com o conforto do canto das musas
Posso dar minhas mãos
Pelo afago da brisa de todas as manhãs
Posso dar meu olhar
Na paz do fim do mundo
Posso dar minha paixão
Com o fogo ardente do magma latente
Posso dar meu amor
Na força vital de todas as almas
Mas não posso dar meu ser
Pois é impossível receber aquilo que já se tem

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Março 2003

DROGA

A paixão é droga hospedeira da alma
O fumo da paixão esvai-se no beijo
E o trago do beijo esfumaça a alma
A fumaça da alma se entrega pelo rubro olhar
Olhar que, confesso e incauto, revela a paixão
Por isso beijo de olhos fechados
Para não me envergonhar do vício do qual sou dependente
Pelo qual estou condenado

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Outubro 2003

CICLO VITAL

Morte sem conformismo é espetáculo
Espetáculo sem holofotes é talento
Talento sem oportunidade é amadorismo
Amadorismo sem platéia é amor
Amor sem correspondência é vida
Vida sem sofrimento é morte

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Outubro 2003

INGÊNUO

Quero voltar a ser ingênuo
Poder crer que um pássaro é um pássaro
Que um moinho é um moinho
Que um ser humano é um ser humano

Tudo foi deturpado pelos supostos pensantes
Que numa infinda busca por rotulações
Acabaram por definhar sua desperdiçada espécie
Cavando a cova de seus próprios desejos

Esquecem que ao subjugar semelhantes, subjugam-se
Fazendo com que as maledicências sejam para si
Numa auto-flagelação espontânea e voluntária
Que os coloca num amorfo círculo vicioso

Representando o almejo de serem o que não precisam
Procurando meios de concretizar o nítido abstrato
Através das realizações espetaculares de suas emoções
Profetizam o fim do inacabado, mal iniciado

E abusam daqueles que deveriam lecionar-lhes
Pela esperteza ignóbil de suas ambições
Condizentes com a natureza póstuma de suas almas
Criadas na ingenuidade, maturadas na humanidade

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Março 2003

CHAMA

Sei que não respondo pelo meu peito
E que minha boca atende seus anseios
Minhas mãos impulsionam seus desejos
Mas que isso não passa de paixão

Vontade de estar, mas não querer
A todo tempo lembrar, mas não depender
Entrar neste labirinto e não se perder
Pois a paixão é assim: um não ser

Em sua certeza incerta fico seguro
Pois está ela também seguramente perdida
E a chama que em meu peito brota
Pode extinguir-se com um simples sopro de ar

Deste sopro posso fazer uma brisa ou uma ventania
Uma vez que do ar o fogo se faz e por ele se acaba
Cabe a mim perceber a força deste poder natural
Pois tão logo a percebo, domino-a

Dominando-a, posso controlá-la para o que pretender: brisa ou ventania
No caso de provocar ventania, de per si o fogo acabará
Pela desproporção natural de elementos e presença sufocante de ar
Que nem mesmo a mais intensa e furiosa das chamas resiste

Contudo, ao optar pela utilização exata e sensata do condutor
Guiando esta força como brisa suficiente para manter a chama
Fazendo com que jamais se apague e alimente o que chamo paixão
Conseguirei alcançar e desfrutar assim o que chamo amor.

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Abril 2003

CERTEZA

O amor é uma das coisas das quais dificilmente se tem certeza
E a certeza é a única coisa da qual não se pode ter certeza
Uma busca incessante e inútil pela razão
Remete-me aos arquivos intransponíveis da emoção

E este eterno paradoxo é o que tudo gera e tudo destrói
Mas se buscarmos a certeza dentro da sensatez instintiva
Perceber-se-á que ela está no ponto mais intangível por humanos
No exato ponto de equilíbrio entre o pensar e o agir

Não se pode ter certeza sem antes pensar
Não se pode ter certeza sem antes tentar
Não se pode ter certeza sem antes amar.

Luiz Eduardo Bimbatti
Pouso Alegre/MG - Brasil
Novembro 2002

IGUALDADE

Muito me dizem, muito me digo, mas nada serve
Procuro e encontro argumentos para me convencer
De que sei o que sou, o que sinto e o que quero
Dizem-me o contrário; por vezes não...

Mas a grande verdade é que quem me diz é igual a mim
Somente crê ser o que é e sentir o que sente
Nada pode ser comprovado neste mundo espetaculoso
Assim, vive-se numa eterna fantasia real

E enquanto essa batalha entre sentir e pensar perdurar
Esta indefinição existencial permanecerá
E continuarei a não acreditar em alguém que é maravilhosamente igual a mim.

Luiz Eduardo Bimbatti
Pouso Alegre/MG - Brasil
Outubro 2002

TRAIÇÃO

Traio-te não porque estou com outra
Tampouco porque não te amo como antes
Mas porque uso tudo que aprendi contigo
Para construir algo longe de ti

Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Fevereiro 2002

HORA CERTA

Ser a pessoa certa na hora errada
Nada mais escravista
Que arrasta a alma pela lama
Até o último dos dias terrenos

Perturba e confunde o filtro dos sonhos
Sem que outra luz possa se manifestar
Atormenta a inevitável rotina
Impedindo a glorificação de outro Sol

Numa incessante e inútil espera
Pelo momento adequado, pela hora certa
Hora esta, que jamais chegará
Pois já passou; e a pessoa certa ficou

Ficou no passado, apenas na lembrança
Na boa lembrança de um dia ter aparecido na hora errada

Luiz Eduardo Bimbatti
Pouso Alegre/MG - Brasil
Janeiro 2002

segunda-feira, novembro 08, 2004

INTELIGÊNCIA E CONHECIMENTO ALHEIOS

Todos, todos sem exceção, em todos os campos, em todos, em todos, não passamos das primeiras letras. Gostamos de nos regalarmos com a inteligência alheia! Da papinha já feita!” Este trecho de um diálogo entre os personagens Razumíkhin e Pulkhiéria Alieksándrovna, talvez seja a parte mais relevante da admirável obra “Crime e Castigo”, de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski.

Apesar de não guardar qualquer nexo com o enredo da obra, traz uma antiga, mas sempre atual crítica ao desuso da principal faculdade humana que nos diferencia dos demais seres: o ato de pensar.

É comum, mormente pelos anseios do modelo social capitalista, a confusão entre inteligência e excesso de conhecimento, não sendo rara a preferência deste àquela. Um homem que apenas detém um grande conhecimento é tido como sábio, enquanto outro que faz pleno uso do raciocínio e da inteligência, embora não disponha de muito conhecimento teórico, não recebe os mesmos louros.

Essa distorção axiológica encontra raízes na educação primária do ser humano, no padrão educacional adotado nos últimos séculos, o qual vangloria a repetição sistemática do conhecimento oriundo da inteligência desenvolvida por grandes pensadores, preexistente e formada de acordo com o momento histórico e sócio-cultural de sua aurora, como se fosse impossível admitir outra forma de inteligência, moderna, atual e com embasamento na vida hodierna.

Desde a infância o homem é treinado para não pensar, mas apenas absorver conceitos e raciocínios pré-formulados e pré-moldados a defender proveitos de poucos em detrimento de muitos, em verdade, da quase totalidade dos demais.

Cada época tem seus formadores de opinião, seus controladores sociais, sendo que a moderna é regida pelas forças capitalistas representadas pelas empresas transnacionais, pela influência da cultura norte-americana e pelas incontáveis religiões oriundas das inúmeras distorções ao cristianismo. Portanto, verifica-se que não se encontra atualmente, de fato, decentes formadores de opinião.

É nítido que o desenvolvimento intelectual não é o principal foco educacional nas escolas modernas por confrontar diretamente com os interesses das grandes empresas transnacionais e de todo o sistema de consumo de capital. A conclusão lógica forma-se pela idéia de que, se todos os entes sociais pensarem e refletirem sobre suas aspirações e desejos, inverter-se-iam suas escalas valorativas e seus objetivos vitais e, por conseqüência, tais entes passariam a consumir somente o necessário e, excepcionalmente, o supérfluo.

O resultado disso é um sistema de educação retrógrado e ineficiente, que não exige do estudante outra coisa além de decorar perguntas e respostas durante onze anos – se considerarmos os ensinos fundamental e médio - com o único objetivo de prestar um concurso vestibular igualmente retrógrado e ineficiente para, finalmente, numa universidade, ter acesso ao mínimo necessário para começar a desenvolver alguma forma de pensamento.

Rubem Alves, nobre educador brasileiro, acertadamente defende que “não há nada mais fatal para o pensamento do que ensinar as respostas certas”.

Com a ilimitada heterogenia social, a única forma de reverter este quadro é trabalhando o indivíduo em benefício da sociedade, e não o contrário.

O indivíduo deve, portanto, retorquir qualquer forma de imposição de pensamento ou de conhecimento pré-adquirido, buscando as raízes de seu fundamento, entendendo e assimilando seus argumentos para, somente após este processo crítico, agregá-lo ou refutá-lo.

Ler todas as grandes obras de autores consagrados, conhecer as teorias dos maiores gênios, pesquisar todas as culturas do planeta e saber recitar os mais belos poemas da humanidade em diversos idiomas, from title page to colophon, de nada serve sem a reflexão sincera e individual sobre o conhecimento que está sendo congregado.

Com o fácil acesso à informação, ressalvado o concedido pela rede mundial de computadores, qualquer pessoa pode se tornar um tecnopapagaio da modernidade e proferir aos ventos todo o conhecimento do mundo. Mas isso não trará qualquer crédito ao seu intelecto e à sua experiência se a informação adquirida não for processada e firmada numa convicção única, pessoal e devidamente alicerçada em argumentos válidos.

Somente o firmamento dessa convicção pode desenvolver no indivíduo uma personalidade sólida e irrefutável, de maneira a fazê-lo progredir enquanto ser humano e, conseqüentemente, evolver toda a humanidade.
Pensem nisso. Mas pensem mesmo!
Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Novembro 2004