segunda-feira, novembro 08, 2004

INTELIGÊNCIA E CONHECIMENTO ALHEIOS

Todos, todos sem exceção, em todos os campos, em todos, em todos, não passamos das primeiras letras. Gostamos de nos regalarmos com a inteligência alheia! Da papinha já feita!” Este trecho de um diálogo entre os personagens Razumíkhin e Pulkhiéria Alieksándrovna, talvez seja a parte mais relevante da admirável obra “Crime e Castigo”, de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski.

Apesar de não guardar qualquer nexo com o enredo da obra, traz uma antiga, mas sempre atual crítica ao desuso da principal faculdade humana que nos diferencia dos demais seres: o ato de pensar.

É comum, mormente pelos anseios do modelo social capitalista, a confusão entre inteligência e excesso de conhecimento, não sendo rara a preferência deste àquela. Um homem que apenas detém um grande conhecimento é tido como sábio, enquanto outro que faz pleno uso do raciocínio e da inteligência, embora não disponha de muito conhecimento teórico, não recebe os mesmos louros.

Essa distorção axiológica encontra raízes na educação primária do ser humano, no padrão educacional adotado nos últimos séculos, o qual vangloria a repetição sistemática do conhecimento oriundo da inteligência desenvolvida por grandes pensadores, preexistente e formada de acordo com o momento histórico e sócio-cultural de sua aurora, como se fosse impossível admitir outra forma de inteligência, moderna, atual e com embasamento na vida hodierna.

Desde a infância o homem é treinado para não pensar, mas apenas absorver conceitos e raciocínios pré-formulados e pré-moldados a defender proveitos de poucos em detrimento de muitos, em verdade, da quase totalidade dos demais.

Cada época tem seus formadores de opinião, seus controladores sociais, sendo que a moderna é regida pelas forças capitalistas representadas pelas empresas transnacionais, pela influência da cultura norte-americana e pelas incontáveis religiões oriundas das inúmeras distorções ao cristianismo. Portanto, verifica-se que não se encontra atualmente, de fato, decentes formadores de opinião.

É nítido que o desenvolvimento intelectual não é o principal foco educacional nas escolas modernas por confrontar diretamente com os interesses das grandes empresas transnacionais e de todo o sistema de consumo de capital. A conclusão lógica forma-se pela idéia de que, se todos os entes sociais pensarem e refletirem sobre suas aspirações e desejos, inverter-se-iam suas escalas valorativas e seus objetivos vitais e, por conseqüência, tais entes passariam a consumir somente o necessário e, excepcionalmente, o supérfluo.

O resultado disso é um sistema de educação retrógrado e ineficiente, que não exige do estudante outra coisa além de decorar perguntas e respostas durante onze anos – se considerarmos os ensinos fundamental e médio - com o único objetivo de prestar um concurso vestibular igualmente retrógrado e ineficiente para, finalmente, numa universidade, ter acesso ao mínimo necessário para começar a desenvolver alguma forma de pensamento.

Rubem Alves, nobre educador brasileiro, acertadamente defende que “não há nada mais fatal para o pensamento do que ensinar as respostas certas”.

Com a ilimitada heterogenia social, a única forma de reverter este quadro é trabalhando o indivíduo em benefício da sociedade, e não o contrário.

O indivíduo deve, portanto, retorquir qualquer forma de imposição de pensamento ou de conhecimento pré-adquirido, buscando as raízes de seu fundamento, entendendo e assimilando seus argumentos para, somente após este processo crítico, agregá-lo ou refutá-lo.

Ler todas as grandes obras de autores consagrados, conhecer as teorias dos maiores gênios, pesquisar todas as culturas do planeta e saber recitar os mais belos poemas da humanidade em diversos idiomas, from title page to colophon, de nada serve sem a reflexão sincera e individual sobre o conhecimento que está sendo congregado.

Com o fácil acesso à informação, ressalvado o concedido pela rede mundial de computadores, qualquer pessoa pode se tornar um tecnopapagaio da modernidade e proferir aos ventos todo o conhecimento do mundo. Mas isso não trará qualquer crédito ao seu intelecto e à sua experiência se a informação adquirida não for processada e firmada numa convicção única, pessoal e devidamente alicerçada em argumentos válidos.

Somente o firmamento dessa convicção pode desenvolver no indivíduo uma personalidade sólida e irrefutável, de maneira a fazê-lo progredir enquanto ser humano e, conseqüentemente, evolver toda a humanidade.
Pensem nisso. Mas pensem mesmo!
Luiz Eduardo Bimbatti
São Paulo/SP - Brasil
Novembro 2004